Nando Lima

11822366_910944965631369_5723360576230581154_nEntrevistado: Nando Lima

Data: 09 de Fevereiro de 2015

Local: Estúdio Reator

 

Nando fala para gente sobre o “Anjos sobre Berlim”.

Tentar resumir. Ele na verdade foi construído, pensado em 1989, e aí realizado em 1990. De janeiro de 1990 em diante ele foi realizado. Porque ele estreado digamos assim como parte de um espetáculo, em setembro de 1990, esse período todo anterior foi da realização dele. Da história técnica assim é muito engraçado, primeiro que ele foi feito em VHS, segundo que era um momento que ninguém tinha nem câmera VHS, então a gente tinha conseguido uma. O Aníbal Pacha já vinha de uma história com o cinema, trabalhava em uma produtora de comerciais da família dele, tinha um conhecimento dentro da TV Liberal, por conta disso, ele tem vídeos inclusive desta época como realizador. E o UNIPOP, Universidade Popular, na época tinha acabado de comparar uma câmera VHS para trabalhos internos, realizar os registros e o Aníbal que era ligado a UNIPOP foi dar oficinas lá e teve acesso a essa câmera e foi a câmera que a gente usou para filmar e conseguimos ela por um final de semana. Tinhamos um sábado e um domingo para filmar tudo que a gente queria. E parece incrível pensar nisso hoje, mas era a realidade de 1989 e 1990. Ninguém tinha câmera e todo mundo queria fazer. Um objeto que alguém tinha que saber tratar dele. E o Aníbal já vinha dessa experiência por conta da televisão.

Eu tinha feito o roteiro inteiro, a gente tinha decupado esse roteiro,  revisto ele todo, já com os olhos do Aníbal. E nós ensaiamos, passamos um mês ou mais, e foi todo filmado aqui em São Braz na casa onde morávamos eu e a Oriana (Bitar). A gente resolveu que ia fazer este vídeo dentro dessa casa porque ele basicamente contava a história de jovens que moravam juntos e esses conflitos com o mundo. O Aníbal dirigindo este ensaio para o vídeo sem câmera, pensando as sequencias e as cenas todas , porque era um roteiro gigantesco e nos nunca tínhamos feito nada. Eram uma cenas enormes e sabendo que depois a gente teria que finalizar esse material e também o recurso para finalizar seria… não teria dinheiro. Aonde ele foi finalizado? Foi feito em VHS e o Aníbal pegou as fitas e passou para U-matic para poder ficar na ilha de edição da TV Liberal e quando tinha uma vaguinha ele entrava com as fitas e ia editando. Ele (Aníbal Pacha) e Maria Alice Penna, que também estava no processo porque fazia uma performance dentro do espetáculo que seria montado depois.

São grandes planos sequencia porque era a maneira que a gente sabia que seria possível fazer, e acabou que isso também tem uma outra dinâmica. Quando eu olho para ele hoje…quando ele foi feito parecia tosco, hoje em dia eu já acho ele o máximo.

Uma outra questão técnica. Uma casa comum não tinha recursos de luz, a luz que a gente usou foi a da casa fluorescente e pequenos spots que a gente tinha e que colocávamos em determinados pontos para tentar criar uma luz. E como ele foi filmado num sábado e num domingo o tempo tá passando lá fora, a luz aqui dentro também está mudando. Aí a gente fez a opção de que finalizaria ele em preto e branco, para tentar não ser tão gritante a cor e a luz.

E edição de vídeo em ilha já te permitia esses efeitos de cor.

A finalização dele foi preto e branco. A gente filmou normalmente com o VHS em cor aé o Anibal passou para Umatic e lá editou e fez uma copia sem cor. Tinha uma coisa independente e experimental, sem apoio, com o o nosso próprio dinheiro e tecnicamente era assim. Por conta do roteiro que era longo decidimos usar alguns recurso de croma. Imagina o croma para ser feito precisa de uma boa luz um fundo específico e o que a gente tinha uma imagem e imagina o que podia acontecer na hora do croma. A gente então incorporou essas imperfeições, a imagem vaza para parede, não só na janela, a gente usou imagens do “Brasil, o filme” (Terry Gillian), usa do Koiantskatsi, e usa do “Limite” do Mario Peixoto. Uma cena que tem todos comendo pizza na sala e na televisão está passando em VHS o “Limite”. Que tinha sido lançado em VHS era um momento que essas coisas se tornaram acessíveis. A cena que a gente utiliza que eles estão num barco…e que tinha tudo a ver com o texto da ceia, todos comendo. Era uma mistura uma ebulição, o roteiro todo foi construído inspirado na música do Caetano “Outros românticos”, sobre Berlim. Se você olha o vídeo e lê a letra você vai ver que ela está transposta de alguma maneira no roteiro. Que o Caetano canta naquele momento, da juventude, foi a inspiração para o roteiro.

O espetáculo se chamava “Anjos sobre Berlim” e tinha todas essas influências, do rock nacional por conta do Leo Bitar que fez a sonoplastia e o Leo conhecia muita coisa. Tanto que o que você ouve é basicamente o rock nacional mais underground, era o que vinha numa outra via, As mercenárias, algumas coisas assim. Dali se tirou algumas coisas,  tem Titãs. A trilha entrou depois que a gente tinha  a ilha de edição, mas depende pois tem cenas que o Alberto Silva e a Josianne Dias é som direto do microfone da câmera, e a música a gente gravou a cena começando a mão colocando o disco, e música foi gravada direto. Enfim, é todo um improviso. “Vamos fazer!” Não tinha nehuma barreira. Tem uma cena no banheiro, um banheiro mínimo, e dentro do banheiro estão os dois atores eu e o Aníbal Pacha. Do jeito que a gente ensaiou e por conta do som, eu estava dentro do chuveiro, caindo agua na minha cabeça e eu tinha que fechar a torneira por conta do som. Você olha a cena parece uma cena comum mas para gravar aquilo foi uma loucura. Como fosse ia ficar. Tem uma cena quase no final que a gente revela o truque, uma cena em que o Alberto Silva ia sair e a porta da casa que a gente morava tinha um apartamento para outra casa ao lado, quando você abria a porta você tinha outra porta. Rolava uma cena de um por do Sol e entra minha mão e arranca o pano. Tinha essas brincadeiras de saber que a gente não tava fazendo cinema, com a tradição do cinema, mais requintada, com mais produção, com a possibilidade que a gente tinha na mão.

O que tu assistias no cinema naquele período.

Tinha as matinais no Cinema Um, que eram filmes de arte. Bergman, O sétimo Selo, e a gente conseguia assistir algumas coisas que chegavam a Belém através desse cinema de arte mas que trazia também a história do cinema.

E também já existia a locadora de vídeo.

Sim, que era grande novidade que era a febre, a gente poder ir lá e ver os grandes cineastas.

Eu acho o “Anjos sobre Berlim” um retrato da cena desses atores nesse período.

É uma história de jovens, feita por jovens, nos todos tínhamos vinte e poucos anos, e era uma história que contava nossa história eram coisas que nos estávamos vivendo, a relação com as drogas, com a música, com a situação política do país aquele momento a cidade estava por garotos moradores de rua, uma infância completamente abandonada. E alguns de nós estávamos trabalhando em centros que trabalhavam com esses menores. O CAN era um acampamento de dormitório de crianças abandonadas, os pivetes. Isso era muito presente na nossa vida e isso entrou no filme. Embora também tivesse influencia do Fernando Pessoa, um monte de gente. A gente queria falar disso e parte de um espetáculo de teatro que começava com quarenta minutos de vídeo, o espatéculo tinha uma hora e meia, e ele passava dentro do Margarida Schivasppa por conta da estrutura do palco.

A possibilidade de fazer projeção.

Não, não existia projeção. Como era passado esse vídeo? Era passado em cinco televisões ao mesmo tempo. Existia naquele momento um aparelhinho, uma espécie de wi-fi, que transmitia por UHF para o canal que sintoniza em cada uma das TVs. A plateia chegava e eram convidadas para entrar no palco e eram distribuídas em cinco plateias independentes e já encontravam aqueles personagens circulando e sentavam em bancos. E de repente começava o filme nas televisões ao mesmo tempo. E a relação que era criada que o ator, cada um com uma plateia fazendo comentários sobre o filme. Dramaturgicamente essa era a questão do vídeo daqueles jovens no cotidiano da cidade e uma metalinguagem com o palco e os personagens. O vídeo é como se eles estivem se montando para sair a noite, com roupas meio punk, feito pelo Ronaldo Faihal. O filme tem dois momentos que são videoclipes, também isso influenciado pela MTV, naquele momento era o auge do videoclipe.

Era possível para gente fazer um filme e apresentar ele para uma plateia num palco, não precisava mais de um cinema. Ninguém ia esperar que passasse em uma televisão, coisa impossível naquele momento. A maneira de se veicular esse vídeo foi unir linguagem.

Esse processo te influenciou e te levou para esse caminho que tu estás hoje de unir linguagens?

A Adriana Cruz diz que eu fico correndo atrás do meu rabo. Porque até hoje o que eu tento fazer é aprimorar o que está lá no “Anjos sobre Berlim”. Tanto no espetáculo… Ainda bem que eu falei na Maria Alice (Penna) que fazia a coreografia do espetáculo ela tinha esse olhar da arquiteta, e junto com o Aníbal entrou na ilha de edição, que ficavam sentados em um banquinho na porta da ilha e quando dava uma chance a ilha desocupou por duas horas e corria para lá, porque a própria ilha era quase uma moviola. Levava tempo para pegar um trechinho e encaixar no vídeo, e levaram alguns dias indo para TV Liberal. Tanto que a última cena que uma espécie de videoclipe eles optaram por fazer um slow (câmera lenta) por que não tinha mais tento para ficar picotando e já estava próximo da gente estrear.

Essa versão de 40 minutos é a única que existe? Essa fita de VHS como foi o percurso dela para existir esse filme até hoje?

É a única, a versão final, não existe outra. Ela está comigo até hoje ela existe em VHS guardada, funciona ainda e eu depois de um tempo passei para DVD. O Orlando Maneschy colocou no Arte Pará, faz uns cinco ou seis anos e ficou no Museu da UFPA. Essa foi uma cópia que foi para rua. Tu passaste ele em uma mostra (Cinema no Pará: História e Memória, 2012), e essa cópia está guardada até hoje. Eu vejo que ali está tudo que eu faço hoje, o vídeo sem aqueles parâmetros de qualidade. O que me interessa é o que está por baixo dessas camadas todas. Nem me interessa acompanhar o mais convencional na produção de vídeo de filmes, enfim. O tratamento da imagem para mim passa por outro caminho.

Quando a gente coloca esse trabalho junto com o espetáculo, por exemplo, quando o Cacá Carvalho viu esse trabalho e se interessou muito com a semente do que tinha ali, não extamente aquele produto mas o que aquele produto questionava. Luis Otávio Barata, eram conversas que tinham naquele momento.

Vamos fazer uma pequena trajetória tua, antes e depois do “Anjos”.

Antes do “Anjos sobre Berlim” eu comecei a fazer teatro em 1983. Já circulava, vinha do Celégio Augusto Meira que tinha um grupo de teatro lá, mas era tudo muito assim. Em 1983 eu fui fazer uma oficina na Casa de Estudos Germânicos, com um cara chamado E. Pascoal, e que ainda é um homem de teatro. Veio parar em Belém não sei como e estava dando uma oficina que resultou em um espetáculo, eu vi quis me meter naquilo. Então quando abriu outra oficina eu me inscrevi. Ele formulou uma coisa que era um Encontro de Teatro, e trouxe para cá durante um mês  ou dois meses o Zé Celso, Tancredovski, que é um alemão louquíssimo, o Amir Haddad, que depois de ter fundado a Escola de Teatro já morava há muito no Rio com um trabalho gigantesco, o cara do Asdrubal trouxe o trombone, Amilton Vaz, que era o grande diretor da moçada que fundou o Circo Voador, e trouxe o Lineu Bastos, cada uma dessas pessoas tinha uma visão muito diferenciada do que era fazer teatro. Minha primeira experiência foi uma grande oficina com grandes nomes da cultura teatral nacional e que me deram uma visão muito plural do que era possível fazer no teatro de A a Z. E a partir daí me envolvi com vários grupos de teatro na cidade, Experiência, Pé na Estrada, Usina Contemporânea, de 1983 a 1990 foram sete anos com muita coisa acontecendo, tão opostos quanto Geraldo Salles e Luiz Otávio Barata, e Wlad Lima.

Aí o “Anjos sobre Berlim” foi a primeira coisa que eu escrevi e dirigi. Agora eu quero ver o que é dirigir e fazer um espetáculo. Encontrei um monte de loucos tão jovem quanto eu e dispostos a embarcar nessa viagem. Nunca fiz curso formal na Escola de Teatro mas fiz todos os cursos possíveis. Me envolvi com a Wlad que naquele momento estava no porão da UNIPOP, começa o trabalho dela com os porões. Teatro de rua também.  E com o Experiência no Teatro da Paz, indo do Bengui ao Teatro da Paz. Eu tenho meu nome ligado ao Usina também e o que passei mais tempo mas trabalhei em todos os outros. Fui trabalhar na Fundação Curro Velho, passei um tempo morando em São Paulo onde fiz o Faroeste Caboclo com o Paulo Faria, o cenário e o figurino. Inicio de 1998 e voltei para Belém e fui dirigir o Teatro Waldemar Henrique por cinco anos, também dirigindo o Teatro da Estação (das Docas, Maria Silvia Nunes) e depois Gerência de Artes Cências da SECULT e estou até hoje lá, com uma passagem pelo IAP.

Foi também o tempo que eu retomei essa possibilidade de fazer trabalhos solo misturando essas linguagens e a criação aqui do Espaço Reator (onde foi realizada a entrevista), em 2008 eu comecei a construir e inaugurei em 2010, e até hoje eu fiz quatro trabalhos solos mas com a colaboração de várias pessoas. Faço o esboço e chamo as pessoas para contribuir, parceiros de muito tempo como o Leo Bitar, e mais novos como a Ana Lobato, o Rodrigo Braga, as pessoas vem e olham vamos pensando nesse formato.

Eu sei que não encara o “Anjos sobre Berlim” como uma cinematografia aqui no Pará, mas ele faz parte desta história que é a prova que um cinema é possível mesmo em condições adversas, e como tu via esse cenário do audiovisual aqui neste momento.

Nos anos 1990 se produziu coisas como o Cenesthesia, o Murutucu, que são coisas que estão ai num limbo que ninguém lembra que existe. O Kil Abreu fez com o Alberto Silva um que ainda vou lembrar o nome. São dois vídeos que o Kil fez nesta época. O Dênio Maués fez. Tudo VHS. Naquele momento se viu uma possibilidade de filmar coisas que não era mais aquela bendita câmera de 16 milímetros que tinha toda uma história. Isso deu uma animada e todo mundo passou a produzir coisas. O acervo da TV Cultura eu acho que tem muita coisa pois eles faziam cópias para exibir. A Dedé Bandeira, por exemplo, fazia vídeos-teatro lá. E clipes também, de música meio com o modelo MTV com as possibilidades daqui. É tosco mas é fantástico como foi feito. E tinha uma coisa de registro dos grupos de teatro que acabou ficando perdido por aí, mas todo espetáculo se filmava. O Aníbal, por exemplo, era responsável por filmar tudo isso, muito do que ele tinha doou para Escola de Teatro.

Fora as produções que chegava por aqui, eu trabalhei no “Brincando nos Campos do Senhor” (Hector Babenco), onde passei seis meses fazendo adereçagem, dresser, para onde íamos de barco para o set, e quando começou a filmagem eu fiquei com a continuísta. A Flávia Alfinito eu fiz a cenografia do “Antonio Carlos Gomes”.  E o “Olympia” que Val (Sampaio) fez em 16 milímetros, eu tenho uma cópia em VHS, filmada de uma projeção pelo Rogê Paes da parede, não é um telecine. Eu fiz alguma coisa nesse filme, nem lembro o que foi.

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