Mateus Moura

As entrevistas desta seção foram realizadas para dissertação de mestrado de Ramiro Quaresma da Silva, idealizador e curador do site, para o Programa de Pós-graduação em Artes (PPGArtes) do Instituto de Ciências da Arte (ICA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), intitulada “O site cinematecaparaense.org e a preservação virtual do patrimônio audiovisual: uma cartografia de vivências cinematográficas”.

ENTREVISTA COM MATHEUS MOURA – AGOSTO 2014 – via e-mail

HUE.mp4_snapshot_11.30_[2015.06.18_15.29.25]Seu nome completo, local e data de nascimento.

MATEUS NOGUEIRA DE FARIAS MOURA, RIO DE JANEIRO, 21/11/1987.

Fale sobre sua formação teórica, técnica e prática em cinema.

Minha formação teórica é a cinefilia, dentro da busca ideal da “dieta baziniana” de 3 filmes por dia e 3 livros por semana. Minha formação técnica e prática se deu a partir das bases metodológicas da sevirosofia (popularmente conhecida como a sabedoria do “se vira”).

Você já visitou, pesquisou ou assistiu filmes em uma cinemateca ou arquivo de filmes?

Tentei mais de 5 vezes na querida Belém do Grão-Pará. Recebi todos os tipos de respostas, e sempre uma porta fechada.

Quais suas principais referências na criação cinematográfica? Alguma do estado do Pará?

Sabe que eu não sei. Primeiro tentei responder essa pergunta aqui listando cineastas, escritores, artistas em geral. Mas depois reli a pergunta e percebi que na verdade eu não consigo responder essa pergunta. Se eu fosse listar – sendo realmente justo – todas as “inspirações” que tive que fazer antes de “expirar”, essa entrevista entraria em colapso, pois realmente são muitas. E sou muito grato à humanidade enquanto entidade viva de memória por me nutrir de tantos olhares e percepções. O que posso dizer é que toda vez que eu pego essa estrada da “criação cinematográfica” eu deixo essa bagagem toda em casa. No Pará, mais que referências estéticas, encontrei referências éticas: desde a fraternidade cinefílica de Adolfo Gomes, Aerton Martins até o gigantesco mergulho de Vicente Franz Cecim na verdadeira invenção, o pioneirismo aventureiro de Libero Luxardo, a honestidade criativa de Marcio Barradas, Francisco Weyl, Marcelo Marat, o olhar libertador de Ícaro Gaya. Mas a verdade é que minhas principais referências hoje estão comigo no dia a dia. Me orgulho de dizer que trabalho com as pessoas que mais admiro. Elas são minhas principais referências na criação cinematográfica, referências diretas! E, por acaso, todas do Estado do Pará.

Quais foram suas realizações, e também participações em produções, em cinema e audiovisual? E no momento atual?

Primeiro me aventurei a fazer câmera, atuar e montar filmes numa produtora anarquicamente independente que montamos, chamada Antifilmes Produções. Saiu os curtas “A Cela” e “Puzzle”, com direção do Marcelo Marat. A produtora seguia os princípios da Abuso Produções, onde a única regra é não tirar nenhum centavo do bolso para fazer o filme, se valendo apenas do que tem em mãos.
Depois montei a Sr. Cheff Produções, onde dirigi 2 curtas: D. Juan e Primeiro. Já buscando parcerias, mas ainda no esquema de produção colaborativa e pouquíssimos recursos.


Concomitante comecei a desenvolver o que chamei de “fique são”, o contrário da “ficção”, mas que está distante do clássico “documentário”. Dentro desse “realismo experimental”, com o qUALQUER qUOLETIVO, realizamos o “JAMCINE” e o “MATOU O CINEMA E FOI A FAMILIA”, ainda sob o signo da precariedade, indo em busca de uma linguagem que o enfrentamento criativo com a realidade oferta, experimentando o experimental através das diversas mídias de captação da imagem e realmente se questionando em prática o que seria de fato realizar um cinema de vanguarda, pessoal, coletivo e livre, a partir do atual contexto em que se encontra tecnologicamente esse “cinema do cotidiano”.

Também, mais no ramo da comunicação, surgiu a GARFO E FACA, onde trabalhei com registros, teasers, etc…
No momento atual, além de continuar com o MATOU O CINEMA E FOI A FAMILIA, montei a produtora Maria Preta, entidade de cinema com fins criativos, que, dentro ainda de uma ideia de cinema independente, busca projetos mais ambiciosos no ramo da ficção. O primeiro deles foi o longa “A ILHA”, realizado no final de 2012. E acabamos de rodar o segundo filme, “ORLA”, que está na fase de montagem.

Quais os principais festivais e mostras que já participou?

“A Ilha” foi pro Curta Carajás e rodou Brasilia, Rio e SP pela Mostra do Filme Livre. Alguns vídeos do MATOU O CINEMA E FOI A FAMILIA entraram em salões daqui: os RMXTXTURA’S no Xumucuís, outros no Diário, outros no Sesc.

Onde estão guardados seus filmes, material bruto e cópia final? Onde os pesquisadores podem encontrá-los?

Os brutos tão nos meus Hd’s. As “cópias finais” estão todas na internet, menos “A Ilha”. Nos canais que seguem:

http://www.youtube.com/cinemateus
http://www.youtube.com/matouocinema

http://www.youtube.com/qualquerjamcine
http://vimeo.com/garfoefaca
https://vimeo.com/channels/rmxtxturas
https://www.youtube.com/channel/UCDnLP8f5LoLJe8vn1T60_Qg

Como você observa o cinema e o audiovisual paraense contemporâneos?

Observo de dentro. É sempre mais difícil observar de dentro. O Marcio Barradas está para lançar um filme sobre o Antônio Tavernard, nós estamos montando esse. A Jorane vai fazer um longa com uma grana considerável. Nunca gostei de nenhum filme dela, mas vamos ver o que pode trazer de aprendizado para região. O Elarrat tá buscando o longa também. Também não me interessa o caminho de cinema que ele busca. O Segtowick fez esse Matinta, que eu gosto muito. Apesar de não curtir tanto esteticamente os caminhos do Luiz Arnaldo, respeito muito alguns gestos cinematográficos dele: coroar o Mestre Verequete no Museu do Estado, cantando “o carimbó nunca morre…” ou realizar um “documentário astral” como é o caso do “Descoberta da Amazônia pelos Turcos Encantados”. O mesmo sinto com relação ao Evandro Medeiros, que continua realizando documentários lá pelas bandas do Carajás, sobre as disputas de terra e os rituais dos excluídos dessa História Oficial do Pará. Esse audiovisual publicitário que rola nos pequenos festivais daqui realmente não me interessa. Da nova geração vejo uns possíveis realizadores interessantes, mas só dá para falar deles quando realmente começarem a existir.

Como você financiou seus projetos em cinema e qual sua opinião sobre os editais e fontes de financiamento públicas atuais.

Os projetos foram financiados através de doações, de toda a equipe participante. Este último foi o mais oneroso, e teve uma doação mais significativa de um companheiro chamado João Ribeiro, que investiu no projeto por acreditar no mesmo.
Eu acredito que os editais são uma forma de política pública interessante, o que torna muitos deles intragáveis e/ou inacessíveis são os seus termos. No caso dos federais a humilhação que essa região sofre (por ignorância e má-fé), no caso dos estaduais a caretice, e no caso de todos, a postura de subdesenvolvido, que importa modelos ao invés de se olhar e compreender como criar novas formas de operar, a partir de outras experiências cultivadas nessa mesma região. Tenho aprendido formas de produção muito mais com a cena de teatro mambembe local ou com a permacultura do que com qualquer livro de produção cinematográfica, por exemplo. Quando leio um edital que se pretende regional às vezes paro no meio, de tão absurda e distante que é a compreensão de quem escreveu do que está acontecendo na realidade. São protocolos cumpridos por concursados desinteressados, ou armadilhas bem construídas de raposas oportunistas. Já participei de editais, e acredito que a Maria Preta ainda vai fazer muito coisa por essa via, mas não acredito que esse é o único caminho. É isso “independente” né? Não depender de nada para fazer o que se quer fazer, não é? Pois então, somos uma produtora de cinema independente. Com ou sem edital, estamos produzindo. Para mim isso é o que realmente importa.

Sua opinião sobre a substituição da película (filme) pelo suporte digital para captação e projeção de cinema.

Eu sou de uma geração que simplesmente não viveu a possibilidade da película enquanto suporte de criação. Vivi um pouco a película como espectador, mas faz um tempo já que 90% dos filmes que assisto são digitais. Digo que sou de uma geração de cinéfilos que não vai ao cinema. É muito raro. O que me interessa hoje encontro na internet, baixo e assisto em casa. Felizmente? Infelizmente? Sei muito bem o valor de uma película. Não subestimo, de forma alguma, a beleza de seu suporte. Mas também procuro não supervaloriza-la como alguns o fazem. O cinema mesmo, em película ou digital, está na linguagem. Isso Michael Mann, Jean-Luc Godard, Straub-Huillet, Eduardo Coutinho, David Lynch, Monte Hellman, Hong Sang-Soo e tantos outros já vem provando há um tempo.As tecnologias sempre mudaram, e sempre tiveram artistas interessados em experimentar seus novos brinquedos. Essa turma que me interessa.

Qual sua opinião sobre a web como forma de difusão do cinema? Você tem experiências de compartilhamento de conteúdo autoral nesse meio?

Experimento hoje duas formas de compartilhamento daquilo que sou obreiro.
No caso do MATOU O CINEMA, desse gênero “fique são”, não tenho pudor nenhum e nem perspectiva de público. Faço pelo parazer de fazer e jogo no mar insondável da internet, sem esperar retorno.
No caso da “ficção”, da Maria Preta, interessa essa relação com a cultura, esse jogo com o público, com as expectativas. Além de uma outra experimentação – sócio-econômico-cultural – de propor esse caminho: de rito, de investimento e de compartilhamento, a partir da formação de um público participante de uma cena.
“A Ilha” foi lançado no dia 15 de outubro do ano passado, nesse um ano ela se lançou em festivais e exibições aleatórias, convidando o público interessado a ir ao seu encontro nas cavernas escuras das salas de cinema. Agora pretendemos, através de nossos meios, lançar o dvd, para que o público dê esse retorno financeiro que a produtora necessita para se manter, e adquira materialmente a obra. Depois disso, aí sim, vamos soltá-la no mar insondável, com direito a legendas em várias línguas.

Entrevista realizada com Mateus Moura, no dia 20/08/2014

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